Segundo advogados, caso é
inédito no Brasil; juiz já autorizou adoção tripla por duas mulheres e o
irmão de uma delas em outubro de 2012
Luciano Bottini Filho
Uma nova corrente no Direito de Família defende valor dos laços afetivos
(Thinkstock)
Em uma decisão inédita, a Justiça de Pernambuco autorizou o registro de
um menino de 4 anos em nome de três pessoas: a mãe, o pai e a madrasta
da criança. O pedido foi atendido pelo juiz da 2ª Vara da Infância e
Juventude de Recife, Élio Braz, neste mês. A guarda da criança será
compartilhada entre o casal e a mãe.
O caso chegou à Justiça pela Defensoria Púbica do estado. A mãe
biológica não tinha condições de sustentar o filho, que era criado
também pelo pai com sua companheira. A madrasta tinha intenção de adotar
o menino, mas a mãe não queria que o filho deixasse de ter o seu nome
no registro de nascimento. O juiz deu então uma decisão “salomônica” e
pôs o nome das duas mães na certidão da criança. Com isso, segundo
especialistas, esse é primeiro caso de uma criança registrada por pais
biológicos e uma madrasta no Brasil.
O juiz também deu outra decisão inédita em outubro: permitiu que duas
mulheres adotassem uma criança de 12 anos e incluíssem o irmão de uma
delas como pai. A adoção tripla ocorreu porque a família gostaria que a
criança tivesse a figura paterna. Segundo a advogada Maria Berenice
Dias, do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), já houve
outros casos de filiação tripla, mas isso teria sido concedido depois
que um dos pais biológicos já havia morrido ou em processos de
investigação de paternidade.
Braz, que também é psicólogo, afirma não ver problemas na filiação
poliafetiva – o termo técnico para designar a paternidade e maternidade
múltiplas. “Isso já existe na humanidade há muitos anos”, afirmou.
“Outras pessoas já tiveram dois pais e duas mães. A Justiça só
reconheceu para efeitos previdenciários, para planos de saúde, para
todos os efeitos da vida”.
Segundo ele, o Ministério Público fiscalizou os dois processos de
adoção, com acompanhamento de assistentes sociais. Para fundamentar a
decisão, o magistrado cita o Código Civil, que diz que o parentesco não
tem apenas origem sanguínea, e o Estatuto da Criança e do Adolescente,
segundo o qual a adoção deve ser dada quando houver reais vantagens e
motivos legítimos. “Ora, quem tem três pessoas para lhe proteger está
mais protegida do que quem tem duas. E o real motivo existe, afinal
essas três pessoas já lhe dão carinho, e o afeto já é reconhecido pelo
Direito”, afirmou o juiz.
Segundo a advogada Maria Berenice Dias, o registro em nome de três
pessoas “espelha a realidade da vida, se a criança tem de fato duas
mães”. “As duas mães têm que ter responsabilidade com relação a ela.”
Vínculos Afetivos – As decisões fazem parte de uma
nova corrente no Direito de Família que defende que os laços afetivos
prevalecem ou são simultâneos às relações sanguíneas. Em Santa Catarina,
em setembro, foi garantido pela primeira vez o pagamento de pensão de
um padrasto para uma enteada. Ele teria vivido em união estável com a
mãe e, depois de se separarem, a Justiça deu uma liminar para que o
ex-companheiro continuasse a sustentar a adolescente. A filha já recebia
uma pensão do seu pai biológico. A decisão foi depois confirmada pelo
Tribunal de Justiça do estado.
No Supremo Tribunal Federal (STF) foi reconhecida, em janeiro, a
repercussão geral sobre esse tema – se a filiação afetiva prevalece
sobre a biológica. Na ação, foi pedida a anulação do registro de
nascimento feito por avós no lugar do pai biológico.
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